Provas no sistema processual penal brasileiro

28-07-2010 14:52

 

Fernanda Pereira Fernandes - Bel. em Direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Campus Torres; Pós graduação em Direito Penal pela Faculdade Projeção – Brasília, Núcleo CPC – Porto Alegre / RS. (Elaborado em 2009).

 

RESUMO:

As provas têm um papel basilar no processo penal brasileiro, visto que servem para esclarecer determinado fato, sendo consideradas a alma do processo, sem as quais este não subsistiria, embora existam fatos que dispensam comprovação, como os notórios, por exemplo. A prova pode ser considerada o principal elemento para a formação do convencimento do magistrado quanto aos atos, fatos ou circunstâncias, com o intuito de condenar ou absolver alguém, não bastando ser prova, mas sendo admissível, possível e lícita. As provas não valem isoladamente, nem mesmo a confissão, pois devem constituir um conjunto que serve de fundamento para a convicção do juiz. No Brasil, o sistema de apreciação das provas é o do livre convencimento motivado, previsto no próprio Diploma Processual Penal, ainda que existam exceções, como as decisões do Tribunal do Júri, que não são motivadas. Quanto às provas ilegais, a doutrina as divide em ilícitas, quando violam a Constituição Federal; ilegítimas, quando violam norma processual; e ilícitas por derivação, como o próprio nome sugere, são as que derivam de prova considerada ilícita. O Código de Processo Penal se manifesta pela inadmissibilidade das provas ilícitas, embora existam correntes doutrinárias que divergem quanto à decisão de utilização ou desentranhamento destas.

Palavras chave: Prova. Ilegal. Ilícita. Ilegítima.

 

ABSTRACT:

Evidences have a essencial role on brazilian penal process, since they are useful to clear up specific fact, being considered the soul of process, without which this wouldn’t exist, although facts exist which set efidences aside, like notorious, for instance. The evidence may be considered main element for convincing formation of magistrate as for acts, facts or circunstances, aimed to condemn or absolve someone, not enough being evidence, but however acceptable, possible and legal. Evidences are not worth isolately, even confession, so must constitute a group which is based for judge’s conviction. In Brazil, the system of evidence appreciations is the free motivated convincement, prescribed on Penal processual Diploma itself, yet exceptions exist, like Jury Trial dicisions, which are not motivated. As for ilegal evidences, doctrine divide them as unlegal, when they break Federal Constituition; untrue, when breaking processual rules; and illict by derivation, as the name itself suggests, are those that derives from considered unlegal evidence. Penal Process Code is declared for inadmissiblely of unlegal evidences, although usual doctrines exist that diverge as for dicision of utilization or retreatment of these.

Key words: Evidence. Unlegal. Illict. Untrue

 

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho trás um apanhado geral sobre as provas no processo penal brasileiro, mostrando suas classificações, bem como sua aplicabilidade. Utilizar-se-á como método de abordagem, o método dedutivo, onde o raciocínio parte de princípios considerados verdadeiros (geral) para chegar a conclusões de maneira formal (particular). Como método de procedimento, será utilizado o método comparativo, verificando e explicando diferenças. E como técnica de pesquisa, a documentação indireta: pesquisa documental e bibliográfica.

Os atos presentes na apuração de um delito são divididos em atos de investigação e atos de prova. Investigação – extrajudicial – não pode ser confundida com instrução – judicial. O inquérito policial tem caráter unicamente investigativo, por isso não possibilita o contraditório. Logo, o inquérito somente pode produzir atos de investigação, relativizando seu valor como prova judicial.

A valoração da prova é a avaliação realizada pelo magistrado, que deve ser motivada, já que o juiz deve exprimir e justificar de maneira expressa e completa, a avaliação realizada da prova.

As provas – produzidas judicialmente – têm um papel fundamental no processo penal brasileiro, visto que servem para formar o convencimento do magistrado com o intuito de condenar ou absolver alguém, por isso não valem isoladamente, constituindo um conjunto probatório.  

A doutrina divide as provas ilegais em ilícitas, ilegítimas e ilícitas por derivação. O Código de Processo Penal se manifesta pela inadmissibilidade das provas ilícitas, embora existam correntes doutrinárias que divergem quanto à decisão de utilização ou desentranhamento destas.

1 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

O ato de provar consiste em demonstrar, evidenciar, algo. Acquaviva[1] trás um conceito simplificado de prova ao determinar – do latim probare, convencer, tornar crível, estabelecer uma verdade, com/provar. Define a prova processual como todo meio lícito e suscetível de convencer o juiz da verdade de uma alegação da parte. E conclui que “a prova judicial reveste-se de um conteúdo finalístico marcante, qual seja, o convencimento do juiz”.

O objetivo da prova é o de demonstrar em juízo a existência de um fato perturbador ou violador de um direito, ou a não existência[2], com o intuito de condenar ou absolver alguém.

Por outro lado, existem fatos que excluem a necessidade de comprovação[3], tais como os fatos axiomáticos – os considerados evidentes, como por exemplo, a prova da putrefação do cadáver dispensa a prova da morte; os notórios – que fazem parte do patrimônio cultural de cada pessoa, como por exemplo, a condição de Presidente da República; as presunções legais – são juízos de certeza decorrentes da lei (absolutas – quando não aceitam prova em contrário, como por exemplo a condição de inimputável do indivíduo menor de 18 anos; relativas – que admitem a produção de prova no sentido oposto, como a presunção de imputabilidade do maior de 18 anos); os inúteis – os irrelevantes, de caráter secundário, como por exemplo a preferência sexual do acusado por furto.

Nucci[4] acrescenta os fatos impossíveis, como por exemplo, dizer que o réu estava na Lua no momento do crime.

Interessante advertir que os fatos incontroversos, assim chamados aqueles admitidos ou não impugnados pelas partes, não dispensam a prova, podendo o juiz pedir diligências de ofício para dirimir dúvida sobre ponto relevante, como permite o artigo 156 do CPP. E bem lembrado por Avena[5], não poderia ser diferente, já que a própria confissão do crime não é suficiente para o juízo condenatório, exigindo sempre o confronto com os demais elementos trazidos aos autos para formar o juízo condenatório.

Reza o artigo 155 do Diploma Processual Penal, recentemente alterado pela Lei 11.690/2008, que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Portanto, as provas produzidas no inquérito policial, na fase investigativa, embora de relevante importância, não podem, de regra, serem exclusivamente consideradas para um juízo de condenação, já que a fase inquisitorial não dispõe do contraditório, servindo como elemento secundário.

“A jurisprudência atual – inclusive na Suprema Corte – é no sentido da possibilidade de o juiz utilizar dados colhidos na fase inquisitorial como elemento de convicção, desde que conjugados com outros apurados mediante o contraditório no processo criminal”.[6]

“Prova. Valor da prova obtida no inquérito policial. A prova policial só deve ser desprezada, afastada, como elemento válido e aceitável de convicção quando totalmente ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada e nulificada pelos elementos probantes colhidos em juízo através de regular instrução. Havendo, porém, prova produzida em contraditório, ainda que menos consistente, pode e deve aquela ser considerada e chamada para, em conjunto com esta, compor quadro probante suficientemente nítido e preciso” (AP. CRIM. Nº 690020433, 3ª CAM CRIM, RJTJRGS 150/153 E SEGS.).[7]

O art. 156 do CPP permite que o juiz ordene, ex oficcio, a produção antecipada de provas urgentes e relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal, desde que observada a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, o que parece implicar no deslocamento da função do magistrado, de julgador, para o papel de investigador ou acusador, ofendendo, assim, a Constituição Federal. Por outro lado, o Princípio da Verdade Real foi adotado como objetivo do Processo Penal, não podendo ficar o juiz, estático, diante da inércia das partes quanto ao ônus probatório.

O código de processo penal apresenta um conjunto de regras para regulamentar a produção de provas no âmbito do processo criminal. Mas os meios de prova elencados no CPP – perícias, interrogatório, testemunhas – não são taxativos, podendo utilizar-se de outros meios, desde que lícitos – meios indicados em lei ou não vedados por ela – para a busca da verdade real.

Verdade real que nem sempre é possível, ou melhor, é considerada impossível. “Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado”[8]. “A verdade objetiva deve ser substituída pela verdade probabilística.”[9]

Na verdade o que se busca é a maneira mais provável de como e onde ocorreu determinado fato, que será considerada a verdade real.

Não há hierarquia entre as provas, ou seja, nominadas ou não, têm o mesmo valor.

De lembrar que as provas não valem isoladamente, mas constituem um conjunto, que servem de fundamento para a convicção do juiz.

De regra, quem alega deve provar. O termo ônus, segundo Nucci[10], significa carga, peso, logo, ônus da prova é o encargo de provar. Trata-se do interesse que a parte possui em produzir prova ao juiz para que ele se convença da sua argumentação.

Dispõe o atual art. 156, “caput”, do CPP, que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício [...]”. Ou seja, cabe às partes apresentar a prova do alegado. O juiz pode determinar provas de ofício, na busca da verdade real, mas de modo comedido, sem tomar o lugar da acusação ou da defesa[11].

[...] Tudo dependerá da natureza da alegação. Neste contexto, à acusação caberá provar a existência do fato imputado e sua autoria, elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias agravantes e qualificadoras. Já à defesa, por outro lado, incumbirá a prova de eventuais causas excludentes de ilicitude, culpabilidade ou tipicidade, circunstâncias atenuantes, minorantes e privilegiadoras que tenha alegado[12].

Digamos que o suspeito apresente um álibi que comprova que alguém estava com ele em determinado local, no dia e hora do delito, diverso do local do crime. Neste caso, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que o álibi constitui uma exceção de defesa, cabendo ao incriminado o ônus de sua demonstração, sob pena de ser tido com réu confesso[13].

Impossível falar de provas sem analisar alguns princípios primordiais.

O Princípio do Contraditório é capital no direito brasileiro, reconhecido pela Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, e presente em todos os atos processuais, inclusive como garantia criminal, como mencionado por Kildare[14]. Significa que toda prova realizada por uma das partes admite a produção de uma contraprova pela outra. Se uma das partes arrolou testemunhas, tem a outra o direito de contraditá-las, de inquiri-las e também de arrolar as suas[15].

Outro, de suma importância é o Princípio da Comunhão, ensinando que, uma vez trazidas aos autos, as provas não mais pertencem à parte que as acostou, mas sim ao processo, podendo, desse modo, ser utilizadas por quaisquer dos intervenientes, seja o juiz, sejam as demais partes. Por isso, é impossível a desistência da oitiva de testemunha arrolada por uma das partes sem a anuência do outro, pouco importando quem arrolou[16].

Pelo Princípio da Oralidade, sempre que possível, as provas devem ser realizadas na presença do juiz, sempre em conformidade com a determinação legal, são as chamadas provas judiciais. É o caso da testemunha, onde terá mais valor a prova realizada em audiência do que, ao contrário, se meras declarações forem trazidas pelas partes e incorporadas ao processo[17].

O Princípio da não-auto-incriminação (nemu tenetur se detegere), não é o mais importante, mas de longe, o mais conhecido. Significa que ninguém está obrigado a fazer prova contra si. Como aduz Avena[18], coaduna-se com a obrigatoriedade de a acusação provar os fatos por ela alegados. Tal ônus, com efeito, é do Ministério Público, no caso de ações penais públicas, e do querelante, no caso de ação penal privada. Em razão a este privilégio, o acusado não estará obrigado a responder as perguntas que lhe forem formuladas em razão do interrogatório. 

Por outro lado, a recente Lei 11705/08 alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito brasileiro, que traz em seu atual art. 277 caput e §3º, resumidamente que, se o condutor de veículo envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool se negar a fazer testes ou exames clínicos que permitam certificar seu estado, lhe serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165, o que origina uma exceção infraconstitucional a este princípio, já que, ao condutor restam duas opções: se submeter aos testes (ou exames) ou ficar com seu veículo retido até a apresentação de condutor habilitado e ter sua carteira de habilitação recolhida. Deste modo, fica o condutor constrangido a produzir prova contra si, mesmo que indiretamente, ferindo o princípio em estudo.

Cabe agora à jurisprudência firmar entendimento acerca da constitucionalidade do art. 277, §3º, do CTB, já que, aprioristicamente, parece violar o privilégio nemo tenetur se detegere, consagrado no sistema processual brasileiro[19].

2 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DAS PROVAS

Quanto ao critério utilizado pelo magistrado para a apreciação das provas, existem três possibilidades no direito comparado, quais sejam, sistema do livre convencimento do juiz, sistema da prova tarifada e sistema da íntima convicção. Como regra, o nosso Código Processual Penal adotou o primeiro deles, embora existam algumas exceções.

O Sistema do livre convencimento (ou persuasão racional) está previsto no art. 155, caput, do CPP, que dispõe que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Duas conseqüências advêm da adoção desse sistema pelo Código, que são a ausência de limitação quanto aos meios de prova e a ausência de hierarquia, já mencionados anteriormente[20].

Mas tal liberdade do magistrado não é absoluta, visto que as decisões devem ser fundamentadas, como disposto no art. 93, IX da Constituição Federal, no artigo 381, III do Código de Processo Penal e na Exposição de Motivos do mesmo; as provas deverão constar dos autos do processo judicial, também constante na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal; a produção sob o crivo do contraditório, aduzido no próprio artigo 155 do Código de Processo Penal, supracitado.

Livre convencimento não significa, em absoluto, liberdade de prova, mas a convicção fundamentada, ou seja, convencimento transparente, justificado perante as partes e a sociedade [21].

O Sistema da íntima convicção (ou prova livre) confere ao julgador total liberdade na formação de seu convencimento, dispensando-se qualquer motivação para a decisão, sendo irrelevante o fato de as provas se encontrarem ou não nos autos. Este sistema ainda é utilizado pelo Tribunal do Júri, onde os jurados não fundamentam sua decisão, apenas respondendo secretamente aos quesitos, absolvendo ou condenado o réu, independentemente das provas existentes nos autos.

No Sistema da prova tarifada (ou verdade legal) a lei estabelece o valor de cada prova, não permitindo ao juiz o mínimo de discricionariedade contra a previsão legal expressa. E assim como no sistema do livre convencimento, o juiz não pode decidir com base em provas extra-autos.

Avena cita duas situações nas quais, como exceção, o legislador se utiliza da prova tarifada, vinculando o juiz a um valor predeterminado da prova:

É o que ocorre, por exemplo, no art. 62, dispondo que a extinção da punibilidade pela morte do réu apenas poderá ser determinada à vista de certidão de óbito, e, mesmo isso, após prévia oitiva do Ministério Público. E, também, do contido no art. 155, parágrafo único, do mesmo diploma, estabelecendo que a prova de estado das pessoas, no âmbito penal, exige idênticas restrições às estabelecidas pela lei civil – comprovação via certidão. Nesses dois casos o juiz está vinculado ao texto legal, não podendo admitir, como prova das situações narradas, elementos outros que não aqueles determinados na legislação.

            Mas de regra, todas as decisões devem ser baseadas nas provas acostadas nos autos, produzidas sobre o crivo do contraditório e devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade absoluta da sentença.

3 PROVAS ILEGAIS

Quando se fala em prova ilícita, é preciso considerá-la como espécie de um gênero maior, que é o das provas ilegais, também chamadas de proibidas ou vedadas, que se subdivide em: a) provas ilícitas; b) provas ilegítimas; c) provas ilícitas por derivação[22].

O art. 5º da CF já vedava o uso de provas obtidas por meios ilícitos (LVI). Tal proibição foi introduzida ao CPP, no seu art. 157, recentemente alterado pela Lei 11690/08, que dispõe que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Podem ser exemplificadas como provas ilícitas decorrentes de afrontamento direto do texto constitucional em vigor, a interceptação telefônica realizada sem ordem judicial, o que implica violação direta da garantia constitucional inserida no art. 5º, XII.

De lembrar que a vedação constitucional diz respeito à interceptação telefônica, diverso da escuta ou gravação clandestina.

Na interceptação telefônica há três protagonistas: dois interlocutores e o interceptador, que capta a conversação sem o consentimento daqueles. Na escuta telefônica há também dois interlocutores e um interceptador, só que um daqueles tem conhecimento do fato. Na gravação clandestina ou ilícita há só dois comunicadores, sendo que um deles grava a conversação. A Lei n. 9296/96 é aplicável às duas primeiras formas de interceptação. Não, porém, à terceira. No sentido de que é admissível como prova a gravação efetuada por um dos interlocutores: STJ, RHC 5.944, 6ª Turma, RT 742/574[23].

E como provas ilícitas decorrentes do afrontamento indireto da Constituição Federal, podemos citar o interrogatório judicial do réu sem a presença de advogado, violando-se, diretamente, o art. 185 do CPP e indiretamente, o art. 5º, LV da CF.

AVOLIO[24] acrescenta, ainda, que a prova ilícita pressupõe uma violação no momento da colheita da prova, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre externamente a este, ao contrário da prova ilegítima, onde a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo.

ARANHA[25] apresenta outra diferença relevante ao expor que a prova ilícita é colhida, enquanto a prova ilegítima é produzida.

A prova ilegítima é a produzida contra um princípio de lei processual, violando-se um requisito exigido pela mesma lei para colocá-la sob seu abrigo[26].

Como exemplo, pode ser citado o reconhecimento judicial do réu realizado com inobservância das formalidades legais do art. 226 do Código de Processo Penal: afronta-se neste caso, norma de índole meramente processual, sem qualquer fim constitucional.

A prova ilegítima não traz maiores problemas. Se produzida sem o amparo da lei processual penal simplesmente não tem valia[27].

As provas ilícitas ou ilegítimas por derivação são tratadas no §1º do art. 157 do CPP, onde diz que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

Trata-se da aplicação da Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados.

Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados (fruits of the poisonous tree), segundo a qual o defeito existente no tronco contamina os frutos. Consagrada sua aplicação no direito brasileiro, usava-se, como fundamento legal para afastar sua utilização, a regra do art. 573, §1º, do CPP, dispondo que “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”. Transpondo-se essa disposição para o tema de provas, resultava que a ilicitude de uma prova, uma vez reconhecida, causará a ilicitude das provas que dela diretamente decorram[28].

Em suma, é preciso que a prova tida como contaminada tenha decorrido, direta ou indiretamente, de uma anterior manifestamente viciada. Não guardando nexo de causalidade com a prova ilícita, ou seja, proveniente de uma fonte independente , ou se restar evidenciado que a prova viria aos autos de qualquer forma, por outro meio – o que a doutrina vem chamando de descoberta inevitável, segundo a qual a prova será considerada admissível se a parte interessada comprovar que ela seria, inevitavelmente, descoberta por meios legais – não ocorrerá contaminação.

No que diz respeito à utilização das provas ilícitas, o Código de Processo Penal, recentemente alterado pela Lei 11690/2008, prega em seu art. 157 caput e §3º que são inadmissíveis as provas ilícitas devendo ser desentranhadas do processo, e preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Como se pode observar, o Código de Processo Penal contempla uma deliberação judicial acerca da eventual ilicitude da prova acostada aos autos, seja de ofício, ou a requerimento das partes, antes da fase sentencial. Como a ilicitude envolve violação constitucional, pode ser argüida a qualquer tempo, até mesmo na fase recursal ou após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com o intuito de reformá-la ou anular o processo.

Há longo tempo, a doutrina e a jurisprudência possibilitavam a utilização da prova ilícita em favor do réu pelo princípio da proporcionalidade, o que resta prejudicado se aplicar o novo dispositivo rigorosamente, de onde decorrem duas interpretações doutrinárias[29]:

Primeira: o CPP impõe o desentranhamento e a imediata inutilização da prova reconhecida como ilícita por decisão transitada em julgado. Essa linha de pensamento decorre da interpretação literal do artigo em questão, entendendo que a intenção do legislador é a de não permitir a utilização da prova ilícita em favor de nenhuma das partes. Argumenta-se que o princípio da proporcionalidade não é referido no artigo como motivo para o não desentranhamento ou a não inutilização das provas ilícitas.

Segunda: a disciplina do artigo em questão permite ao juiz, mesmo reconhecendo a prova como ilícita, não desentranhá-la ou não inutilizá-la de plano, se constatar a possibilidade de que venha a se constituir o único elemento hábil à comprovação da inocência do réu. Tal entendimento remete o juiz a três decisões distintas: reconhecer que a prova é ilícita; decidir pelo desentranhamento desta prova; decidir pela inutilização da prova desentranhada.

Trilhando-se por esta última linha de pensamento, conclui-se que, a despeito do reconhecimento da ilicitude de determinado elemento probatório, poderá o magistrado decidir por não o desentranhar ou não o inutilizar, quando, diante das peculiaridades do caso concreto, houver evidências de que dificilmente surgirão outros meios que comprovem a inocência do réu, impondo-se, então, a preservação da prova declarada ilícita como garantia de que, ao final do processo, não ocorrerá uma condenação injusta. Esta nos parece a solução mais adequada à realidade jurídica brasileira, encontrando, outrossim, eco no próprio texto art. 157[30].

            Já que o juiz pode escolher dentre tais possibilidades, deve examinar cuidadosamente cada caso concreto, até que a doutrina e a jurisprudência se posicionem de forma unânime e pacífica.

CONCLUSÃO

No Brasil, o sistema de apreciação das provas é o do livre convencimento motivado, previsto no próprio Diploma Processual Penal, ainda que existam exceções, como as decisões do Tribunal do Júri, que não são motivadas.

Destarte, não restam dúvidas de que a prova é instrumento fundamental para o processo, servindo para aclarar os fatos de tal modo que interfira diretamente no convencimento do juiz quanto aos fatos e circunstâncias, já que sua decisão sempre deverá ser fundamentada tendo por base as provas carreadas aos autos.

 As provas, depois de juntadas aos autos pertencem ao processo, não podendo, de regra, ser deste desatreladas, pelo Princípio da Comunhão.

De regra, as provas produzidas na fase inquisitorial não podem ser utilizadas exclusivamente para um juízo de condenação, por não enfrentarem o crivo do contraditório. O STF admite que sejam utilizadas, desde que conjugadas com as demais provas, formando um conjunto probatório.

De outra banda, sendo a prova policial contrária às provas dos autos, ou não havendo prova judicial que as confirmem, devem ser desprezadas, afastadas.

Quanto às provas ilegais, a doutrina as divide em ilícitas, quando violam a Constituição Federal; ilegítimas, quando violam norma processual; e ilícitas por derivação, como o próprio nome sugere, são as que derivam de prova considerada ilícita.

As provas ilícitas por derivação seguem a mesma regra das provas ilícitas, pois aplicam-se à elas a Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados, ou seja, uma prova lícita, que derive de uma prova ilícita, já estaria contaminada, a menos que se prove que viria aos autos por outros meios.

A Teoria da árvore dos frutos envenenados, que já vinha sendo aplicada ao longo dos anos, foi consagrada no §1º do art. 157 do CPP, recentemente alterado pela Lei 11690/2008.

As provas ilícitas, de regra não devem ser admitidas, mas cabe à doutrina firmar entendimento sobre sua admissibilidade, desentranhamento e inutilização, e à jurisprudência, se manifestar verificando o caso concreto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

 

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SALIM, Alexandre Aranalde. O inquérito policial. Teoria e Prática dos Procedimentos Penais e Ações Autônomas de Impugnação. Charles Emil Machado Martins (organizador). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

 



[1] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1993. p. 1023.

[2] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 31.

[3] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal. Série Concursos Públicos. Porto Alegre: Método, 2008. p. 146.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. pp. 348 e 349.

[5] AVENA, op. cit. p. 147.

[6] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 305.

[7] Ibiden, pp. 309 e 310.

[8] GRECCO FILHO, Vicente, apud, BARBOSA, José Olindo Gil. As provas ilícitas no processo brasileiro. Disponível em: <https://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8417>. Acesso em: 26 maio 2009.

[9] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. p. 62.

[10] NUCCI, 2007. p. 349.

[11] FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo e Maximiliano Roberto Ernesto. Resumo de Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 32.

[12] AVENA, 2008. pp. 155 e 156.

[13] ARANHA, 1996. p. 18.

[14] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 7ª Edição. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001. p. 289.

[15] AVENA, 2008. 148.

[16] Ibid. p 148.

[17] Ibid. p. 150.

[18] Ibid. p. 149.

[19] AVENA, 2008. p. 150.

[20] Ibid.  p. 150.

[21] GOMES FILHO. Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 161.

[22] AVENA, 2008. p. 166.

[23] JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. p. 131.

[24] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas. Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. pp. 39 e 40.

[25] ARANHA, 1996. p. 49.

[26] Ibid., p. 242.

[27] ARANHA, 1996. p. 49.

[28] AVENA, 2008, p. 172.

[29]AVENA, 2008, pp. 169 e 170.

[30]Ibid.  p. 170.